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O quadril

Corresponde à articulação “primária”, básica, “mãe”, dos membros inferiores. É dele que partem os movimentos potenciais desses membros. Ele representa também o eixo básico do nosso mundo relacional. Nós o chamamos de “portal do Não-Consciente relacional”, o ponto através do qual os elementos do nosso Não-Consciente emergem em direção ao Consciente. Os nossos esquemas profundos, as nossas crenças sobre a relação com o outro e com o mundo e a forma como a vivemos são representados – no seu aspeto somático (no que diz respeito à estrutura do corpo, é claro) – pelo quadril. Qualquer perturbação consciente, ou não, nos níveis acima repercutirá a nível de um dos nossos quadris. Junto com a bacia e a região lombar, os quadris são a sede do nosso poder profundo, como também da nossa capacidade de mobilidade e de flexibilidade, interiores e exteriores. É a partir deles que o nosso “ser” se encontra em relação com o mundo.

 

Os males do quadril

Os problemas do quadril, dores, tensões, bloqueios, artroses etc. nos mostram que atravessamos uma situação em que a “base” das nossas crenças profundas está sendo colocada em questão. Quando essa articulação, que é o apoio primordial e fundamental da perna, se rompe, isso significa que os nossos suportes interiores principais, as nossas crenças mais enraizadas em relação à vida também se rompem por sua vez. Nós nos encontramos exatamente no campo das noções de traição ou de abandono, sejam elas realizadas por nós ou pelos outros.

Se for o quadril esquerdo, estamos diante do caso de uma vivência de traição ou de abandono de simbólica Yang (paterna). Tenho em mente um caso em particular: o de uma pessoa que se chama Sylvie, e que me veio consultar a respeito de um caso de artrose do quadril esquerdo, pouco antes de se submeter a uma cirurgia. Depois de deixá-la falar do seu sofrimento “mecânico”, eu a conduzi ao fundo do problema e a me falar um pouco mais sobre a sua vida fazendo perguntas: “Que homem a havia traído ou abandonado nos últimos meses?”. Apesar de surpresa, ela me confidenciou que havia perdido o seu marido três anos antes, mas que não havia relação alguma entre os dois fatos. Eu lhe fui explicando progressivamente o processo inconsciente que tinha levado todo esse tempo para então se liberar dessa forma. Ela reconheceu, então, que havia realmente vivido o desaparecimento do seu marido como se fosse um abandono e algo injusto. Após duas sessões de massagem de Harmonização e de trabalho sobre essa memória, o seu quadril se liberou a tal ponto que, durante a segunda semana, houve dois dias inteiros em que ela não teve o menor sofrimento. Os seus medos, as suas “obrigações” profissionais, no entanto, a fizeram tomar, apesar de tudo, a decisão de se submeter à cirurgia e, naturalmente, eu a deixei livre para fazer essa escolha. A cirurgia foi “bem-sucedida” e calou a sua dor.

Um ano e meio depois, ela voltou para me ver com o mesmo problema, mas dessa vez no quadril direito. Estava claro que ela não havia eliminado, de maneira alguma, a tensão interior. A ferida na alma não cicatrizava de jeito algum e procurava um outro ponto do corpo para se exprimir. Eu fiz com que fosse mais longe na expressão da sua vivência e ela terminou “confessando” que, além de tudo, após o desaparecimento do seu marido, restavam sérias dúvidas sobre a sua fidelidade, que ela achava que ele a havia enganado. Ela se sentia traída na sua condição de esposa. Não era então de se espantar que o Não-Consciente tenha necessidade de expulsar, através do quadril, essa ferida que estava longe de se fechar, pois sustentava a dúvida. Foi o quadril direito porque a feminilidade estava certamente envolvida, mas sobretudo porque o esquerdo não podia mais “falar”.

Se for o quadril direito, estamos diante do caso de uma vivência de traição ou de abandono de simbólica Yin (materna). Deixando o exemplo anterior de lado, vou-me referir aqui ao meu próprio pai. Ele trabalhava em um escritório público onde as coisas e os comportamentos se tornavam cada vez mais difíceis de serem tolerados, pois “traíam” a ideia que ele fazia do serviço público. Mas como fazer para sair dessa situação? Um dia, ele sofreu uma queda em que magoou seriamente o quadril direito. Pouco a pouco, a dor foi aumentando até que foi ficando fisicamente impossível que ele pudesse fazer o seu trabalho corretamente. Sendo de origem camponesa e tendo o senso do dever e do respeito com os compromissos, ele ficou ainda mais “contrariado” quando lhe aconselharam a “se fazer de doente”. “Eu não posso aceitar tal coisa pois isso significaria que os outros deverão trabalhar por mim”, dizia na época. Isso teria sido uma traição a mais, porém da sua parte agora. Ele pediu então aposentadoria antecipada para evitá-la, embora isso fizesse com que perdesse muito financeiramente, pois o vencimento da sua aposentadoria não estava tão longe assim. No entanto, ele não podia compreender todo o significado inconsciente do que estava acontecendo. Passou então a ajudar uma pessoa que ele conhecia a cuidar de uma criação de trutas. O início foi promissor mas a experiência da traição se renovou. A pessoa aparecia cada dia com uma “história” diferente que reduzia cada vez mais o trabalho que ele próprio realizava. Até o dia em que uma gota d’água mais forte do que as outras (destruição acidental) fez o balde transbordar. A dor no quadril esquerdo, que havia tomado a forma de uma coxartrose, aumentou e, logo após haver deixado esse patrão que havia traído a sua confiança, ele teve que se submeter a uma cirurgia.

Talvez, se eu tivesse “sabido” na época (há 25 anos), nós poderíamos ter evocado a necessidade que ele tinha de experimentar a traição ou o abandono simbólico. Aliás, ele já a havia encontrado mais jovem, quando, ao voltar do cativeiro após a guerra, constatou que o seu pai havia abandonado uma bela fazenda na qual eles viviam antes da guerra. Ora, ele o havia expressamente aconselhado a não fazê-lo. Ao constatar que o seu pai a havia vendido, apesar de tudo, para comprar uma outra em outro lugar, decidiu deixar a fazenda da família para trabalhar na indústria. Eu digo “talvez”, pois nem sempre estamos prontos para “entender” algumas coisas e ninguém pode viver ou mudar a Lenda Pessoal do outro.

Do Livro Diga-me onde dói e eu te direi por quê de Michael Odoul

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