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Relaxamento, repouso e sono

O Stresse

Uma mulher de cinquenta e poucos anos consultou-me por causa de obstipação crónica e circulação deficiente, dois problemas que eu achei que estavam provavelmente relacionados com a sua óbvia ansiedade. Ao questioná-la sobre os seus ânimos e sensações, perguntei:

– Neste preciso momento, sente algum stresse invulgar? Ela hesitou por um momento, depois olhou para mim e disse:

– Sabe, a vida é um stresse.

Eu concordo. Nós não conseguimos eliminar o stresse da nos­sa vida, tal como não conseguimos eliminar a tensão dos nossos músculos. Se a tensão muscular baixasse para o zero, nós caíamos no chão, numa massa informe. Se todo o stresse desaparecesse, nós não estaríamos vivos. O stresse é inerente às nossas interacções com o mundo que nos rodeia e, a menos que seja esmagador, mantém-nos em crescimento e em desenvolvimento.

Uma série de perguntas que eu faço ao anotar um historial médico é: «Considera-se uma pessoa nervosa? Está tenso? Tem preocupações? O que faz para relaxar? Alguma vez fez algum tipo de treino para relaxar?» A maior parte das pessoas descreve-se a si mesma como estando sob stresse. Algumas dizem que estão calmas no exterior, mas que carregam imensa tensão inter­na. Outras dizem que estão descontraídas, mas que os seus côn­juges e amigos acham o contrário. Algumas olham para mim sem perceberem quando lhes pergunto o que fazem para rela­xar. Outras dão respostas como «Bebo vinho» ou «Vejo televi­são». Há maneiras melhores de relaxar.

A palavra «stresse» vem da mesma raiz latina que nos deu «estrito», que originalmente significava «estreito» ou «apertado».

O stresse é o desconforto ou a angústia causados por forças que limitam a nossa liberdade e o nosso movimento. Isto sugere que as fontes do nosso desconforto são externas. São as forças exteriores a actuarem sobre nós que nos impedem de estar bem: um chefe exigente, um cônjuge infeliz, filhos difíceis, o percurso até ao emprego, a acumulação das contas, a ameaça de crime, a instabilidade política, a poluição, o risco de cancro e por aí fora.

De facto, o stresse tem dois aspectos, um externo e outro interno. A vida está cheia de desafios e de desapontamentos que ameaçam ou destroem continuamente a nossa tranquilidade e temos de lidar com eles para podermos sobreviver, crescer e atingir o nosso pleno desenvolvimento. Tal como os músculos se tornam maiores e mais fortes quando trabalham contra a resistência, também as nossas mentes e espíritos se alargam ao encontrarmos as dificuldades que a vida nos apresenta. Sem dificuldade, não há crescimento.

O aspecto interno do stresse é a nossa reacção aos obstáculos e reveses da vida. Se ficarmos ansiosos, receosos, zangados ou deprimidos por causa deles, esses estados podem com certeza fazer-nos mal. O stresse interiorizado mantém a mente agitada, afasta o sistema nervoso do equilíbrio, interfere com o funcionamento do sistema imunitário e produz muitos distúrbios relacionados com o stresse tão comuns na nossa sociedade. É fácil pensar que os «stressantes» externos são a causa da sua tensão, mas de facto você pode escolher até que ponto eles o afectam e pode aprender a mudar as suas reacções a eles.

A propósito, não é só a nossa sociedade que sofre de uma praga de doenças relacionadas com o stresse. Uma antiga estudante minha, agora médica, passou parte de um ano no Quénia rural, num hospital isolado, a única unidade médica a servir uma grande região de povos tribais que viviam de forma tradicional. Ela foi para lá à espera de imergir no mundo exótico da medicina tropical, onde ia aprender a lidar com a doença do sono, com os parasitas, as mordeduras de cobra e a febre dos matos. Em vez disso, encontrou 90 por cento da população a sofrer de úl­ceras, hipertensão, dores de cabeça e outras expressões físicas da ansiedade. Os medicamentos mais vulgarmente receitados eram o Valium e o Tagamet (para as úlceras). As vidas simples dos nossos antepassados não eram assim tão simples.

Durante uma série de anos, o Valium, o Tagamet e medica­mentos do mesmo tipo (como o Ativan e o Prilosec, por exem­plo) foram as drogas mais prescritas no mundo. O facto destaca a importância de aprender a neutralizar o stresse ou a processaá-lo de maneira a que ele não o ponha doente. À medida que os médicos e os pacientes se tornaram mais cientes do papel do stresse como causador de doenças, a redução do stresse tornou-se um grande negócio. Nós temos tendência a culpar o stresse por qualquer doença que não compreendemos ou para a qual não encontramos uma causa. Esta tendência pode levar os mé­dicos a fazerem erros de diagnóstico.

Há alguns anos veio às minhas consultas um homem de trin­ta e poucos anos, cuja única queixa era uma diminuição do funcio­namento sexual. Ele dizia que o sexo não era agradável; não conseguia ter erecções plenas e tinha a sensibilidade do pénis diminuída. Este problema durava já há muito tempo, quase 11 anos. Antes disso ele tinha estado bem. Nos outros aspectos ele estava de excelente saúde, fazia uma boa alimentação, era um adepto do exercício, gostava do seu trabalho, mas tinha proble­mas nos relacionamentos por causa da sua dificuldade sexual. Dizia que não achava que tivesse uma base psicológica.

Ao lon­go dos anos ele tinha consultado alguns médicos, mas nenhum deles tinha uma resposta. Todos lhe diziam que ele devia consul­tar um psiquiatra. Uma vez, houve a possibilidade de estar com uma infecção urinária e foi a um urologista, que fez uma série de análises e todas tiveram resultados normais. Este médico disse-lhe que o problema dele estava na cabeça, causado pelo stresse, e recomendou-lhe psicoterapia. Por fim, o paciente foi a um psicó­logo, mas passadas algumas sessões concluiu que era uma perda de tempo. Desde então ele estava resignado a «viver com aquilo».

Tentei saber mais pormenores acerca dos seus hábitos, como é que ele comia, dormia, relaxava e se exercitava. O exercício era uma parte importante da sua vida, especialmente o ciclismo, numa bicicleta de dez velocidades. Ele percorria grandes distân­cias, 30 a 40 quilómetros quase todos os dias. E há quanto tem­po é que ele tinha começado este género de ciclismo?, quis eu saber. Ele pensou no assunto e respondeu: — Há onze anos.

O problema deste paciente não estava de todo na cabeça dele. Uma boa parte do problema, de facto a causa do problema, era uma lesão de compressão no nervo perineal, o nervo que transpor­ta as sensações do pénis. Os selins duros das bicicletas podem pressionar este nervo o suficiente para o porem a dormir. Eu sei isto porque certa vez aconteceu-me o mesmo depois de alguns dias a montar uma nova bicicleta de dez velocidades com um selim desconfortável. Na altura em que percebi o que significavam as sensações de picadelas e de alfinetadas, era já demasiado tarde, e fiquei impotente durante uma semana até o nervo recuperar. Se você comprime um nervo continuamente durante 11 anos, vai levar bem mais do que uma semana até que ele acorde, mas a recupe­ração é possível. Disse ao paciente que deixasse de fazer ciclismo e que encontrasse outra forma de exercício ou que arranjasse um selim aberto ao meio, que não fizesse pressão no períneo.

Claro que este foi um caso raro. É muito mais comum os médicos tentarem tratar por métodos físicos os problemas que não têm causas físicas. A minha sensação é que, em muitos pacientes, o stresse é a principal causa da doença e que, em muitos mais, é um factor agravante.

Vale sempre a pena tentar mudar as situações externas que sejam destrutivas. Às vezes aconselho os pacientes a procurarem um novo emprego, a mudarem-se para outra zona do país ou a saírem de uma má relação pessoal, mas eu sei que esses tipos de mudanças não dão às pessoas os meios necessários para lidarem melhor com os problemas futuros. Por isso, também dou a to­dos os pacientes sugestões para relaxarem e para se protegerem a si mesmos dos efeitos nocivos do stresse. Quase toda a gente consegue ter benefícios quando aprende a relaxar.

Para se aproximar destes objectivos, você precisa de colocar duas grandes questões: 1) o que estou eu agora a fazer que me impede de relaxar?; e 2) o que não estou eu a fazer que me podia ajudar a relaxar?

Do livro SAÚDE E MEDICINA NATURAL Dr. Andrew Weil

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